O direito avoenga e suas obrigações

O direito avoenga e suas obrigações

26/jan/2012

A relação avoenga é o convívio entre avós e netos, que deverá ser preservado por ser parte do equilíbrio da estrutura familiar, é um dever desobstruir os canais do preconceito, intolerância, egoísmo, para que não seja permitida a quebra da íntima união entre as ligações sanguíneas e socioafetivas.

Por Marília Mesquita de Góis

A crescente e abrangente organização familiar, suas múltiplas concepções, provoca não só direitos, as obrigações surgem e se instalam socialmente, requerendo a perspicácia aguçada dos operadores de direito para a busca da legalização ao atendimento destes conflitos.

Indiscutivelmente, a família transformou-se, acompanhando as mudanças sociais, comportamentais dos indivíduos, isto, decorrente das informações que tecnologicamente são propagadas em tempo real para todo o planeta.

No Brasil, assistimos “ao vivo”, no dia 05/05/11, um banho de civilidade, progresso, desprendimento de conceitos arraigados e arcaicos, inaceitáveis nos dias atuais: a consagração com o reconhecimento do direito dos homoafetivos, a equiparar essa união à condição legal de união estável, já que vivem em uniões com os seus pares, objetivando a formação familiar. Breve adendo porém, para comprovadamente deixar clara a pluralidade das famílias, inegavelmente acobertadas pelo ordenamento jurídico.

A preocupação deverá voltar-se em primeiro plano para a criança, seja em uma relação biológica ou afetiva. Daí imprescindível inseri-la em um contexto familiar abrangente, onde os membros envolvidos, na relação parental serão basilares para a sua formação psicossocial. Aqui, relacionamos diretamente os pais biológicos e afetivos ligados diretamente as relações intergeracionais da criança que são os avós maternos, paternos e os socioafetivos.

Obviamente que toda esta multiplicidade de agentes decorre em consequência ao desfazimento da família, com a readaptação de seus membros a novas realidades, a posteriores enlaces e o inevitável surgimento dos terceiros, consolidando as relações sócio afetivas.

Embora pareça simples, a complexidade existe e evitar ou ao menos minimizar a exposição da criança aos riscos e consequências dessa prática cabe exclusivamente ao bom senso dos genitores. Os divorciandos dificilmente encontram-se preparados para as agruras do fim da relação e convergem para o travamento de uma batalha que fere direta e frontalmente os seus descendentes, sendo estes comumente atingidos pela disseminação da alienação parental e, em algumas situações, vitimados pela síndrome dessa mesma alienação.

Neste limiar os resquícios vão além, atingindo os ascendentes, os avós, precisamente aqueles onde a detenção da guarda não coube ao seu filho, na tentativa ao apagamento implícito do vínculo familiar. A prática predominante é que a guarda da criança esteja com a mãe e como a família materna predominantemente assiste e se faz presente diretamente na vida de suas filhas e netos, o problema acomete frontalmente os avôs paternos, que comumente já não mantinham uma convivência habitual com seus descendentes antes do divórcio, quiçá com a sua instauração.

O convívio entre avós e netos deverá ser preservado justificadamente por ser parte do equilíbrio da estrutura familiar, nutrindo o sentimento de continuidade, de entrelaçamento, de afeto, na medida em que para os avós representa o fruto dos seus frutos e para os netos o doce carinho, os momentos inesquecíveis de liberdade familiar e a certeza que a vida está em constante processo de evolução. A idade avança com o passar dos anos e produz um sentimento inestimável que só poderá ser classificado como o amor mais puro, será brutal negar a ancestralidade, plenamente tutelada juridicamente, de forma integral e especial, na Constituição Federal, artigos 5º e 226.

A legislação brasileira por muito tempo calou-se frente à relação avôs e netos, compreensível, já que a família até meados de 1970 conservava uma estrutura não tão dinâmica como a atual, onde as separações, hoje divórcios, eram minorias; os casamentos se perpetuavam e com eles os entrelaçamentos familiares. Os avós eram autoridades maiores e suas características estéticas eram indiscutivelmente semelhantes: idosos, cabelos brancos, isto tudo sem esquecer que no domingo o dia era na casa da vovó.

Veio o divórcio, as sucessivas uniões, os irmãos maternos, os irmãos paternos, os irmãos comuns, a grande transformação da família em “das famílias”, a fluência dos vínculos sócioafetivos e com toda esta efervescência muito de bom aconteceu, embora tenhamos que reconhecer que as famílias sócioafetivas muito pouco tem de afeto e muito mais de divisão, neste diapasão difícil sobrar um tempinho para os avós, para aquele almoço de domingo.

O importante é o poder de adaptação e superação desta realidade e os jovens possuem esse perfil de sobrepor-se ao novo, daí o equilíbrio essencial dos pais e a disposição em propiciar o convívio familiar e suas ramificações, assim, todos ganharão.

Sutilmente a  Lei n° 12.398, de 2011, estabelece o direito de visitas aos avós. Incluindo o parágrafo único ao artigo 1589 do Código Civil: “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. Parágrafo único: “o direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente”.

O artigo 888, VII, do Código de Processo Civil, imprime nova redação: “o juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura: VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós”.

O artigo 227 da Constituição Federal, determina ser dever da família, sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, dentre outros direitos básicos, a convivência familiar e comunitária. O ECA, avança mais um pouco e em seus artigos 16, V e 25 assegura à criança e ao adolescente o direito a participarem da vida familiar e comunitária, sem discriminação e o resguardo à comunidade familiar, que deve ser compreendida como aquela formada pelos pais (ou qualquer um deles) e os seus respectivos ascendentes.

Quando se requer direitos não poderá ser esquecido que existirá uma contra partida, as obrigações, os deveres e a reversão aqui é perfeitamente aplicável. Vejamos que a Constituição Federal, artigo 229, estabelece que “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Os avós poderão subsidiariamente serem compelidos a prestarem alimentos para os seus netos, substituindo na totalidade ou parcialmente a obrigação imposta ao seu filho, que poderá ser o pai ou a mãe da criança ou adolescente, conforme preceitua os artigos 1696 e 1698 do Código Civil, intitulada como pensão avoenga.

A relação avoenga é reconhecida e deverão ser alardeados e difundidos os seus direitos e obrigações, sempre no sentido da proteção a criança, ao adolescente e ao idoso. Ademais, as atuais constituições familiares não deverão provocar apenas um alargamento da estrutura das famílias, muito mais a sua integração, proteção àqueles que neste contexto são hipossuficientes, as nossas crianças e os nosso “jovens” velhos. Neste diapasão, é um dever desobstruir os canais do preconceito, intolerância, egoísmo, para que não seja permitida a quebra da íntima união entre as ligações sanguíneas e socioafetivas.

Fonte: DireitoNet
 

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